Antes de se tornar uma referência internacional em cultura organizacional, a FAVI, uma fabricante europeia no setor automotivo, também esqueceu.
De fato, empresas não falham apenas por más decisões. Elas falham porque esquecem. Esquecem que inovação não é um setor, mas uma forma de existir. Esquecem que dados, isolados, ainda não são conhecimento — e que conhecimento, sem propósito, é apenas ruído. Mas talvez, o mais perigoso seja justamente isso: esquecer que estão esquecendo.
Muitas organizações ainda operam sob estruturas que acumulam dados, mas paralisam o saber. Afinal, informar não é o mesmo que ensinar. A falta de integração entre informação, conhecimento e propósito é um dos esquecimentos mais comuns e mais fatais para as organizações.
A FAVI operava sob uma hierarquia rígida, burocrática e altamente centralizadora, resultado do modelo industrial da época. Um sistema onde o controle pesava mais que a confiança, e onde a inteligência do chão de fábrica era sistematicamente desperdiçada. Até que o CEO, Jean-François Zobrist, conduziu uma transição que não foi sobre destruir a hierarquia, mas sobre transformá-la.
A rigidez deu lugar à flexibilidade, o comando cedeu espaço à autonomia e o controle foi substituído pela confiança. Nasciam, então, microestruturas autogeridas, onde a liderança se tornou distribuída, mas sustentada por um propósito comum, responsabilidade compartilhada e clareza organizacional. Foi nesse novo sistema que a FAVI redescobriu uma verdade que o mundo industrial havia esquecido: que o conhecimento mora no chão de fábrica — e que nenhuma lógica de controle jamais superará o poder da confiança.
A FAVI deixou para trás os organogramas engessados, as linhas rígidas e as caixinhas que sufocam a criatividade. ou a operar como aquilo que toda organização verdadeiramente saudável deveria ser: um organismo vivo. Onde o conhecimento flui, a responsabilidade é compartilhada e a inovação não depende mais de um setor específico — porque ela se tornou parte inseparável da cultura. Nesse modelo, inovar não é uma meta. É consequência natural.
Como reforça Edgar Schein (2017), cultura é exatamente aquilo que permitimos repetir sem pensar. E é justamente nesse espaço invisível — nas repetições, nos acordos silenciosos e nas permissões — que se desenha o sucesso, o fracasso, a estagnação ou a evolução de qualquer organização.
O que a FAVI aprendeu e que tantas outras ainda ignoram, é que cultura não se transforma sozinha. Quando negligenciada, ela adoece em silêncio, até que os sintomas se tornam visíveis.
O que as empresas esquecem antes de falhar não é, portanto, um dado. É uma relação. É um fluxo interrompido. É uma liderança que parou de escutar. É um saber que ninguém mais compartilha. Quantas outras empresas lembrarão, antes de ser tarde demais?
Sobre a Colunista
Jaqueline Bitencourt Lopes é doutoranda em engenharia e gestão do conhecimento nas organizações, especialista em facilitação de segurança psicológica de times (certificação internacional) e fundadora da Firmament, empresa que impulsiona o desempenho organizacional por meio da cultura de aprendizagem, segurança psicológica e da Céoshare, uma plataforma inteligente de gestão do conhecimento.
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