Quando o assunto é trabalho, quase todo mundo tem alguma queixa. Trabalha demais, sofre muita pressão, tem pouco tempo pra muitas tarefas, às vezes, más condições físicas e materiais para o exercício da função, colegas difíceis de lidar, chefes que cobram excessivamente ou de modo inadequado, salário insuficiente, e por aí vai.
Por outro lado, embora o desemprego esteja em alta no país há um bom tempo, empresas relatam que o momento é complicado para encontrar e, principalmente, reter talentos. Parece que há menos pessoas dispostas a se submeter a certas exigências que são comuns no ambiente profissional.
O trabalho, especialmente aquele que envolve relações explícitas de poder, sempre foi um campo de disputas e, portanto, lugar de uma certa tensão. A questão não é recente. Ganhou relevo, sobretudo, a partir da primeira revolução industrial, no século 18, e de lá pra cá vem adquirindo outros contornos a partir de sucessivos avanços técnico-científicos e do aparecimento de novas perspectivas filosóficas sobre a condição humana e a vida em sociedade.
Impossível resumir em poucas linhas a gama de variáveis que determina o cenário atual. Mas, certamente, a emergência de novas narrativas nessa era da informação é fator decisivo.
Acho que ninguém em sã consciência ousaria deslegitimar a histórica reivindicação por condições dignas e justas de trabalho. Ainda há muito a ser feito, bem sabemos. Entretanto, existe um discurso atual bastante forte que estabelece uma correlação necessária entre trabalho e prazer. A base desse mesmo discurso é uma espécie de filosofia hedonista contemporânea mais sustentada pela lógica de consumo do que por um profundo exercício da razão. O resultado é uma legião de insatifeitos, frustrados e infelizes, na vida pessoal e profissional.
A vida não é só prazer. Muito menos o trabalho. A célebre frase “trabalhe com o que você ama e nunca mais precisará trabalhar na vida”, atribuída ao pensador chinês Confúcio, pode até cair bem numa postagem de rede social, mas lida na superfície e fora de contexto, como muito do que circula nas redes, não a de uma simpática utopia.
Trabalho gera prazer, sim. Gera também alegria, paixão, entusiasmo, crescimento, realização… Mas, comumente, traz também preocupação, insegurança, tensão, exige esforço, dedicação, paciência e não raro provoca desconforto.
É lógico que devem prevalecer emoções e sentimentos positivos, mas não dá para medir a experiência de trabalho com a mesma régua dos momentos de lazer, como alguns influenciadores e gurus de autoajuda andam dizendo por aí. Em um mundo que aponta o prazer como valor fundamental, parece que anda faltando bom senso no uso dessas escalas.
Inspirados no primeiro de maio que se aproxima, sempre uma boa data para pensarmos sobre o tema, sigamos lutando por vivências de prazer no trabalho, mas cientes de que trabalho e prazer não são sinônimos nem andam juntos o tempo todo.
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Fábio Cadorin (@fabiocadorin) é psicólogo, jornalista, professor e doutor em Ciências da Linguagem. Nesta coluna quinzenal fala sobre saúde mental e impactos da cultura sobre o psiquismo.